Saturday, September 27, 2008

Sobre Estar Sozinho


Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milénio. As relações afectivas também estão a passar por profundas transformações e a revolucionar o conceito de amor.
O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A ideia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fracção e precisamos encontrar a nossa outra metade para nos sentirmos completos.

Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher; ela abandona as suas características, para se amalgamar ao projecto masculino.

A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria.
Estamos a trocar o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão a perder o pavor de ficar sozinhas, e a aprender a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão a começar a perceber que se sentem uma fracção, mas são inteiras.

O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fracção. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem.
O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos a entrar na era da individualidade, o que
não tem nada a ver com egoísmo.

O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem uma nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar a sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa.
As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. O nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém.

Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.
Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir a sua força pessoal.

Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável.
Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.
Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo…


Dr. Flávio Gikovate Psiquiatra
Fonte:http://www.flaviogikovate.com.br

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